RESENHAS MUSICAIS



Revista ao tema  "Alguns versículos bíblicos" de Sociedade Anónima
Por Magus de Lírio

20 de maio de 2012

Música: Alguns versículos bíblicos
Artista: Sociedade Anónima
Produção: Sociedade Anónima
Ano: 2009

A Bíblia Sagrada não é, como muitos pensam, o livro mais antigo do mundo mas é, com certeza, embora seja o mais complexo, o mais lido e o mais influente. Do Génesis até ao Apocalipse, encontram-se relatos em que o Bem, simbolizado por Deus, encontra-se em constante luta contra o Mal, simbolizado por Satanás. Na maior parte das vezes as lutas terminam com o Bem a vencer o Mal. Portanto, de uma forma geral, pode-se dizer que a Bíblia é um livro cuja essência é servir o Bem para vencer o Mal. Infelizmente, nem sempre as coisas funcionam assim, muitas são as vezes em que a Bíblia é usada a serviço do Mal e detrimento do Bem. Há 500 anos, por exemplo, os europeus usaram-na para converter os africanos e assim facilitar a escravatura, no tempo do Nazismo, Adolf Hitler e seus seguidores usaram-na para fundamentar a perseguição aos judeus. Na actualidade em alguns países ainda é usada para justificar a pena de morte, e em outros, vezes sem conta, é usada por muitas igrejas como forma de enriquecer fácil e rapidamente.
É pois, este lado escuro da Bíblia Sagrada que é retratada no tema “Alguns versículos bíblicos” do grupo Sociedade Anónima os simplesmente SA, constituído por Chaminé e Fóssil, que em 2010 foi laureado pelo Hip-Hop Time com o prémio Melhor Grupo Underground.    
Neste tema extremamente complexo, o SA demonstra do que “alguns versículos bíblicos” são capazes. Mostra-se, por exemplo, que estes versículos são usados como combustível para o fanatismo. Mostra-se também como pessoas motivadas pelo desespero buscam alento em algumas igrejas, igrejas em que, por sua vez, seus pastores hipócritas, nada mais fazem do que usar a bíblia para extorquir essas pessoas. Revela-se, também neste tema, como alguns líderes religiosos usam a sua posição para assediar sexualmente as crentes, muitas das quais de menor idade. E as revelações não ficam por ai, o grupo vai mais longe e declara que a proliferação de igrejas, seitas e profetas, só aumenta as trevas e não a luz como era de se esperar.
Alguns versículos bíblicos são, ainda segundo este tema, “como estímulo para depositarmos nossos ínfimos salários mínimos como dízimos nas missas de Domingo”. Ainda através desses versículos “a malícia e a degradação tomam o lugar do amor de Deus, pois seu amor transformou-se em prazer sem consciência, onde o sexo e a violência excitam ate aqueles que se dizem ser devotos a Deus”.
Enfim, “Alguns versículos bíblicos” é um manifesto de como a Palavra de Deus tem sido manipulada pelas emergentes igrejas evangélicas, sobretudo brasileiras, que se multiplicam cada vez mais e cada vez mais tomam de assalto os canais de rádio e televisão, as páginas de revistas e jornais, sob o pretexto de anunciarem a Palavra de Deus quando na verdade tudo o que querem é usar a fragilidade dos seus crente para acumularem divisas e satisfazer seus prazeres pessoais.  

Alguns versículos bíblicos para escutar aqui: http://soundcloud.com/helderleonel05/sociedade-anonima-alguns#


REVISTA AO TEMA "CHUVA PASSAGEIRA" DE NÁUM
14 DE MAIO DE 2012
 
Por Magus DeLírio aka Emílio Cossa

Música: Chuva passageira
Artista: Naum
Produção: Tuche
 Ano: 2011

Falar do que os MCs deveriam ou não deveriam fazer tem sido um assunto recorrente no seio do Rap nacional. Pela quantidade quase que exagerada de canções que abordam esta questão, pode-se afirmar com alguma segurança que todos MCs nacionais tem pelo menos uma música em que fazem de si mesmos, os donos da razão e dos outros, MCs que só repam por emoção. Uma vez que este papo tem se repetido vezes sem conta esse tipo de música já vem se tornando tanto repetitivo quanto aborrecido. Felizmente esse não é o caso de Naum, rapper que em “Chuva passageira”, por sinal sua música de maior destaque, aborda o assunto de uma maneira interessante e criativa.  
Naum, rapper cujo nome significa “Consolo” e nos remete ao profeta bíblico de mesmo nome que em seu livro profetizava a destruição do Império Assírio o mais cruel, temido e odiado povo do Mundo Antigo, neste seu tema, faz jus ao seu nome e profetiza a eminente queda de todos aqueles MCs que por vários motivos corrompem a cultura Hip-Hop.
Neste beat fantasticamente produzido por Tuche, Naum compara essa nova onda de MCs a uma chuva passageira que aparece sem mais nem menos, e como não poderia deixar de ser, causa alguma constipação e de seguida desaparece. Isto acontece, segundo Naum, porque esses sujeitos, de um dia para outro, decidem entrar para o Hip-Hop sem antes procurar saber da essência desta cultura que é no final das contas, ainda segundo Naum, uma ciência que precisa ser estudada.  
Ainda que não cite nomes, Naum deixa bem claro quem são os seus alvos. Quando, por exemplo, nas suas rimas conta que “Naufragaram muitos reis numa canoa/ Que diziam ser os donos da tal coroa” ou ainda “Alguns desses MCs repam pela fama/ Outros sonham em comprar o Hotel Polana” fica bem evidente que se refere àqueles que uma vez afirmaram que “A coroa é nossa” ou “X hoje está com gana de (…) comprar o Hotel Polana”, e com isso conseguiram muita fama mas que com o tempo, como diria um certo apresentador, acabaram batendo na rocha.     
Porém, para que essa sua atitude não seja mal interpretada e acabe sendo vista como uma provocação, Naum deixa também bem claro que não tem nenhuma intenção de criar bifes pois o que quer é “paz em todo lado”. A intenção é sim, apelar a todos MCs para que se libertem das algemas do dinheiro e reflictam sobre a sua atitude em relação à Cultura Hip-Hop.

Oxalá a mensagem chegue ao destino!




REVISTA AO TEMA "MOÇAMBIQUE" DE BLACK FORCE


Por Magus DeLírio

Música: Moçambique
Artista: Black Force c/ Leonel
Produção: 9B
Álbum: A Voz do Povo
Ano: 2012

Pelo tempo que iniciou a sua divulgação, o lançamento do álbum “A Voz do Povo”, o próximo, ou melhor, o primeiro do grupo Black Force, do qual fazem parte os rappers Kay Real e G-Fly, já está a tardar mas, com certeza, não irá falhar. Pelo menos a julgar pelas musica que, progressivamente, foram saindo, e massivamente, sendo distribuídas de mão em mão e através da Internet, “A Voz do Povo” é um daqueles álbuns que já nasce ‘condenado’ ao sucesso.
‘Moçambique’, o tema que dá título ao recente single já lançado, é já uma prova irrefutável desse sucesso. Contando com 9B na produção e Leonel nos coros, este tema é uma espécie de revisão da história do nosso povo onde sobressaem factos como a exploração colonial, a guerra civil, as cheias do ano 2000, a explosão do paiol e a xenofobia sofrida pelos moçambicanos na África do Sul. Fala-se também, neste tema, do Imperialismo que nos explorou outrora e do Capitalismo que nos explora agora, da pobreza e da fome, da alienação cultural e da segregação racial.
Para além do que se fala, é também interessante observar a maneira como se fala. Pois, reconhece-se nesta música o resgate do amor pela pátria, tema que marcou, sobremaneira, a nossa poesia na era do Nacionalismo. A utilização da frase “Surge et ambula”, que traduzida para o português quer dizer “levanta-te e anda”, denuncia a relação de intertextualidade existente entre o poema de Kay Real e G-Fly e o poema de Rui de Noronha, um dos ícones da nossa poesia, e por esta via deixa-se também patente a intenção de actualizar o apelo secular para que Moçambique e o resto da África despertem do sono infindo em que se encontram.
Não fossem alguns erros linguísticos cometidos pelo corista Leonel, “Moçambique” seria um tema excepcional. Foi bonita a intenção dos rappers de utilizar as línguas nacionais, para os que pouco entendem destas línguas diria até que foi uma excelente ideia, mas para os que entendem um pouco mais e que têm amor e respeito por elas, pode-se dizer que o tiro saiu pela culatra e ficou-se apenas na intenção. Devo confessar que é uma experiência dolorosa ouvir esta parte da música, principalmente o fecho. Era bom que antes de ir ao estúdio, os nossos artistas (não exactamente os Black Force) humilde e pacientemente procurassem amigos mais abalizados na matéria para fazer uma pequena revisão linguística, assim poderia se evitar muitos dos atropelos cometidos sobretudo pela dita nova geração de artistas moçambicanos, que mesmo que a língua seja do seu domínio por motivos que eu não saberia explicar fazem questão de errar propositadamente.
Seja como for, “Moçambique” não deixa de ser o belo tema que é, tanto pelo ritmo e muito mais ainda pela poesia.

Bem-haja Black Force!